Titã, o maior satélite de Saturno, é um cliente habitual aqui no Cais de Gaia. Uma das coisas que tornam este satélite interessante é a sua densa atmosfera, formada essencialmente por azoto (nitrogênio) molecular e metano. Essa atmosfera é palco de uma química complexa, que explica o facto de não ser transparente como esperado mas sim brumosa com uma imensa quantidade de aerossóis. Um dos mistérios dessa atmosfera é a ausência de etano, que deveria ser extremamente abundante. Um artigo recente avança uma explicação para esse ausência: o etano estará dentro de partículas maiores que existem na atmosfera, que funcionarão um pouco como esponjas. [... ler mais]
O artigo é da autoria de Donald Hunten e saiu na revista Nature (ref1). Numa tradução livre do resumo:Titã, o maior satélite se Saturno, tem uma atmosfera densa de azoto com uma pequena percentagem de metano. Nos comprimentos de onda do visível a sua superfície é ocultada por uma densa neblina laranjo-acastanhada, que é produzida na estratosfera por reacções fotoquímicas que se seguem à dissociação do metano pela luz ultravioleta do Sol. O mais abundante dos produtos dessas reacções é o etano, do qual, durante o tempo de vida do sistema solar, deveria ter sido gerada uma quantidade suficiente para formar um oceano capaz de cobrir satélite com uma profundidade de 1 km.
Aqui convém fazer um pequeno parêntesis. A atmosfera inicial de Titã seria formada por amónia e metano. A amónia (NH3) por acção da radiação ultravioleta do Sol terá acabado por dar lugar ao azoto molecular, muito mais estável que a amónia. O hidrogénio resultante, demasiado leve para ser mantido pela baixa gravidade de Titã ter-se-á escapado para o espaço. A radiação ultravioleta destrói tambem o metano (CH4) dando origem a moléculas de CH ou CH2 que reagem entre si para formar compostos como o etileno (C2H4) etano (C2H6) ou acetileno (C2H2). Mais uma vez o hidrogénio escapa para o espaço pelo que a degradação do metano é um processo irreversível em Titã. Este é apenas o primeiro passo de uma cadeia de reacções que podem formar hidrocarbonetos cada vez mais complexos (e pesados) que acabam por se depositar à superfície, ou permanecer em suspensão como aerossóis, formando a tal bruma alaranjada. A questão é o que acontece ao etano, que devia ser o resultado mais comum da dissociação do metano, onde está ele?Observações de radar mostraram reflexões especulares, em 75 por cento dos locais observados na superfície, mas buscas no óptico para o brilho de um oceano têm sido negativas. Explico aqui misteriosa ausência ou raridade do etano líquido: ele condensa nos aerossóis da bruma, em vez de em gotas líquidas, às baixas temperaturas da atmosfera de Titã. Esta combinação poeirenta de aerossóis e etano, formando depósitos com vários km de espessura na superfície, incluindo as dunas e regiões escura, poderia ser chamada "smust". Este depósito à escala planetária substitui o oceano que durante muito tempo se julgou ser uma característica importante de Titã.
O termo smust vem da junção das palavras em inglês smog (aerossol) e dust (poeira). Apesar da certeza com que o autor fala dessas coisas, é apenas uma proposta. Não quero com isto dizer que o autor esteja errado, mas apenas que se baseia num conjunto demasiado longo de pressupostos por verificar. É um bocado diferente de um estudo apenas polémico, em que os cientistas discordam sobre o significado ou sobre as implicações de algo que observam. Neste caso o autor está a dizer que, para explicar algo que não se vê, um processo, que não se sabe se existe, forma depósitos, que não foram observados. Eu gosto de designar este tipo de artigos por ciência proactiva. O exemplo mais conhecido é o da teoria das cordas em cosmologia.
Os artigos de ciência proactiva são muito comuns na Nature e na Science, que, na ânsia de serem elas a publicarem as descobertas importantes, aceitam muitas vezes estudos em que se que especula de forma mais ou menos desenfreada. É um exercício sempre interessante procurar nessas revistas as vezes em que a solução para um problema científico importante foi "encontrada". Obviamente, uma destas explicações acabará por se mostrar adequada e depois lá vem a conversa da comunidade científica demasiado céptica, do investigador que enfrentou a incompreeensão dos pares, e por aí além. Neste caso a "incompreensão" já começou. Nas news@nature.com (ref2) Katharine Sanderson coloca as reacções de alguns cientistas, que em geral permanecem cépticos, e que referem mesmo não encontrar nada nos dados que concorde com esta teoria. Como eu referi anteriormente, a Cassini voltou a observar a região dos lagos e devemos esperar algumas novidades para breve.
Referências
(ref1) Hunten, D. M. (2006). The sequestration of ethane on Titan in smog particles. Nature, 443, 669-670. Laço DOI
(ref2) Katharine Sanderson (2006). Titan coated in fluffy wet dust dunes? Saturn's moon could be swimming in ethane sludge. news@nature.com. Laço DOI
sexta-feira, outubro 13, 2006
Ensopado de etano
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Marte
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