A ideia que me vem ao espírito quando observo imagens de satélites planetários é de um frio imenso. Trata-se de um frio psicológico, pois afinal nunca poderíamos andar num local destes sem estar dentro de uma vestimenta com uma temperatura controlada e seguramente agradável. Pode não fazer sentido, mas aqueles corpos sem atmosfera evocam-me uma sensação de nudez e de uma certa desolação. Titã é no entanto diferente, pois a presença de uma atmosfera densa e brumosa, e sobretudo as nuvens que se mostram na imagem ao lado, dão-lhe um aspecto acolhedor. Isso é enganador, eu sei. Afinal a temperatura à superfície do planeta rondará os 180 graus Celsius negativos, e as nuvens não são de água mas sim de metano e compostos orgânicos simples. [... ler mais]
Antes da missão Cassini e da sonda espacial Huygens, Titã evocava uma sensação de maior proximidade ainda, pois falava-se da possibilidade de rios, lagos e oceanos (de metano claro) no estado líquido.
A imagem acima mostra uma concepção artística do que poderia ser a descida da sonda Huygens num desses oceanos.
Confesso que a imagem da sonda a flutuar placidamente num mar extraterrestre, numa noite estrelada iluminada pela luz reflectida por Saturno, me agradaria extraordinariamente. Infelizmente a realidade encontrada pela Huygens foi muito diferente. Quando a Huygens aterrou na superfície de Titã e transmitiu as primeiras imagens, em Janeiro de 2005, verificou-se que tinha aterrado numa paisagem desprovida do mais pequeno regato, quanto mais um lago ou oceano. Na imagem ao lado vê-se uma paisagem coberta por pequenos blocos (alguns cm de comprimento) de aspecto rochoso , formados por gelos de água e hidrocarbonetos. Embora a sonda Huygens tenha mostrado uma região relativamente pequena de Titã, outros estudos parecem apontar para que a presença de um manancial de metano líquido à superfície do satélite seja mesmo uma possibilidade remota. Foi um rude golpe no meu imaginário, mas a ausência de reservatórios de hidrocarbonetos líquidos à superfície levanta algumas questões interessantes do ponto de vista científico. Se não existem oceanos de metano à superfície então de onde provém o metano que se vê na atmosfera? Num artigo recente na Nature (ref1), Gabriel Tobie e colegas pensam ter encontrado a resposta.A proposta dos autores é simples: se não está à superfície deve encontrar-se abaixo dela, e deve ser trazido para a superfície e para a atmosfera por um fenómeno geológico titaniano que seja o equivalente do vulcanismo terrestre.
Numa tradução livre do resumo:O maior satélite de Saturno, Titã, tem uma densa atmosfera de azoto, contendo até 5% de metano próximo à superfície. A fotoquímica na estratosfera eliminaria o metano actualmente presente em poucas dezenas de milhões de anos. Antes da missão Cassini-Huygens chegar a Saturno, propôs-se a existência de vastos mares de metano e hidrocarbonetos líquidos com profundidades de centenas de metros, que reabasteceriam a atmosfera no decurso dos tempos geológicos. As observações de voos próximos de Titã, e observações a partir do solo, descartaram a presença de grandes extensões de hidrocarbonetos líquidos no presente, o que significa que o metano durante a história de Titã tem que ser derivado de uma outra fonte. Mostramos aqui que a libertação episódica de metano gasoso conservado como clatratos dentro de uma camada gelada sobre um oceano de água enriquecida com amónia é a explicação mais plausível para a atmosfera de metano de Titã.
Para os leitores brasileiros, que são cerca de 90% do total dos que por aqui aparecem, o azoto é mais vulgarmente conhecido por nitrogénio. Os clatatros são um tipo de sólido, que se forma em condições especiais de pressão e temperatura, em que moléculas de gás ocupam o espaço dentro de uma espécie de gaiola formada por moléculas de água. Um tipo muito comum na Terra são os hidratos de metano, um tipo de clatrato que se forma no fundo do mar. Os autores estão a propor algo semelhante para Titã: um oceano de água no estado líquido abaixo da superfície, onde clatratos de tipo semelhante aos hidratos de metano existirão em grandes quantidades. Continuando:Todas as outras explicações possíveis falham porque não conseguem explicar a ausência de reservatórios líquidos à superfície e/ou o baixo estado dissipativo do interior. Com base nos nossos modelos, prevemos que futuros sobrevôos irão revelar a existência de um oceano abaixo da superfície e de um núcleo rochoso, e deverão detectar mais edifícios criovulcânicos.
O criovulcanismo é algo que foi observado em Titã e noutros corpos gelados do sistema solar. Em vez de vulcões, fumarolas ou geysers a lançarem cinza, rochas, gases quentes, ou água a ferver, os fenómenos criovulcânicos lançam materiais gelados, e libertam gases tipo metano. Apesar de preferir os oceanos à superfície, vulcões que lançam gelo é também algo de interessante.
Referências
(ref1) Gabriel Tobie, Jonathan I. Lunine, and Christophe Sotin (2006). Episodic outgassing as the origin of atmospheric methane on Titan.Nature 440, 61-64 (2 March 2006). Laço DOI
domingo, março 05, 2006
Um problema de gases
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Saturno e suas luas
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