segunda-feira, julho 31, 2006

Lágrimas de metano

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Esta figura é uma composição de imagens de Titã tiradas com as câmaras a bordo da sonda espacial Cassini no visível e no infravermelho durante três aproximações da Cassini a esta lua de Saturno. As coisas brilhantes junto ao pólo sul (imgem do meio) e ligeiramente abaixo do equador (em todas as imagens) são nuvens. Ora onde há nuvens pode haver chuva, e dois artigos recentes na Nature exploram essa possibilidade quer do ponto de vista observacional quer teórico. Tetsuya Tokano e colegas (ref1) dizem que a descida da sonda Huygens na superfície de Titã foi acompanhada de um chuviscar de metano, e que a sonda aterrou sobre uma espécie de "lama" titaniana. [... ler mais]

Os autores discutem a presença de uma camada de nuvens quase invisível. Numa tradução livre do resumo:
A lua de Saturno Titã mostra paisagens com características fluviais que sugerem uma hidrologia baseada em metano líquido. Esforços recentes para compreender o ciclo hidrológico do metano em Titã tem-se focado em curtas ocorrências ocasionais de nuvens junto ao pólo sul, ou faixas de nuvens a latitudes setentrionais intermédias e sobre os mecanismos da sua formação. Não se sabe, contudo, se as nuvens produzem chuva ou se há também nuvens não convectivas, previstas por vários modelos. Mostramos aqui que os dados recolhidos no local a respeito da concentração de metano e perfil de temperatura na troposfera de Titã apontam para a presença de camadas de nuvens estratificadas opticamente finas.

O opticamente finas é outra forma de dizer não opacas, e possivelmente quase transparentes.
Os dados indicam uma nuvem superior de gelo de metano e uma nuvem inferior, a custo visível, de metano-azoto líquido, com um hiato entre elas. A nuvem inferior, líquida, produz um chuviscar que atinge a superfície, Esta nuvens de metano não convectivas são características quasi-permanentes sustentadas pela circulação atmosférica global, indicando que a precipitação de metano occorre onde quer que haja um lento movimento ascendente. Este chuviscar é uma componente persistente do ciclo hidrológico do metano em Titã e, ao molhar a superfície numa escala global, desempenha um papel activo na geologia da superfície do planeta.

Os cientistas calcularam a quantidade deste chuviscar que cai sobre o planeta em cerca de 5 cm por ano, igualmente repartido durante o ano. Ora este leve chuviscar não explica alguns dos relevos que se observam no planeta. Esses exigem verdadeiras tempestades. Pelos vistos, "metanoceiros" deverão também ocorrer de vez em quando. Esse é o resultado de estudos de modelação efectuados por R. Hueso e A. Sánchez-Lavega publicados num outro artigo na Nature (ref2).
A presença de leitos fluviais secos e a intensa actividade das nuvens no pólo sul de Titã ao longos dos últimos anos sugere a presença de chuva de metano. A atmosfera de azoto de Titã parece assum suportar um ciclo meteorológico do metano que esculpe a superfície e controla as suas propriedades. Titã e a Terra são os únicos mundos no sistema solar onde a chuva atinge a superfície, embora se espere que os ciclos atmosféricos da água e do metano sejam muito diferentes. Descrevemos aqui cálculos dinâmicos tri-dimensionais que mostram que fortes tempestades convectivas de metano acompanhadas por precipitação intensa podem ocorrer em Titã sob condições ambientais adequadas. As tempestades mais fortes desenvolvem-se quando a humidade relativa de metano na troposfera média está acima de 80 por cento, produzindo ventos ascendentes de 20 m s-1, capazes de atigir altitudes de 30 km antes de dissiparem em 5–8 h. Gotas de chuva com um raio de 1–5 mm produzem precipitação na superfície que pode chegar a 110 kg m-2 e são comparáveis a enxurradas na Terra.

A fonte deste metano atmosférico pode estar nos lagos recém-descobertos em Titã, que são comparáveis em área aos Grandes Lagos da América do Norte. Durante a "estação seca" estes lagos evaporam para a atmosfera que contém metano suficiente para cobrir a superfície com uma camada de 4 metros de espessura, e voltam a encher durante a estação das chuvas violentas. Mas muito pouco se sabe acerca dos complexos padrões meteorológicos de Titã. Por exemplo, se há este chuviscar constante como se formaram os mares de dunas, que exigem um clima seco? Os cientistas têm muito de que se ocupar com este estranho corpo extraterrestre.

Para terminar mostro aqui uma visão artística de um dos lagos de Titã com Saturno e Reia visíveis a custo no céu titaniano através da densa neblina cor de laranja.

Ficha técnica
Imagens retiradas das páginas da missão Cassini, aqui e aqui.

Referências
(ref1) Tetsuya Tokano, Christopher P. McKay, Fritz M. Neubauer, Sushil K. Atreya, Francesca Ferri, Marcello Fulchignoni and Hasso B. Niemann (2006). Methane drizzle on Titan. Laço DOI.
(ref2) R. Hueso and A. Sánchez-Lavega (2006). Methane storms on Saturn's moon Titan. Laço DOI.

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