quarta-feira, junho 21, 2006

A lua que caiu para o lado

Este panorama interplanetário, obtido pela sonda espacial Cassini no dia 4 de Maio de 2006, mostra Encélado visto contra o disco de Saturno, muito próximo dos anéis. Se repararem com atenção veêm umas plumas a sairem da parte de baixo da pequena lua, os famosos géiseres de Encélado de que falei aqui algum tempo atrás. Uma das peculiaridades destas estruturas era a sua localização, próximo do pólo sul dessa lua. Essa localização de um ponto quente de actividade geológica é difícil de explicar, e alguns cientistas debruçaram-se sobre o problema em busca de uma solução. Ora facto de se encontrar neste momento no pólo não quer dizer que tenha sido sempre essa a sua localização. [... ler mais]

A descoberta dos géiseres causou alguma excitação na altura porque levantou a possibilidade da existência de água líquida e, quem sabe, talvez mesmo vida sob a superfície desse satélite de Saturno. Não espanta por isso que os esforços dos cientistas em compreender a sua origem e propriedades, sejam alvo de grnade interesse jornalístco. Tal sucede com um artigo recente na Nature (ref1), da autoria de Francis Nimmo e Robert T. Pappalardo, que sugerem que Encélado ter-se-á deslocado em relação ao seu eixo de rotação, em consequência de ascensão de uma massa de material de baixa densidade. Este esquema mostra um modelo do que existirá sob a superfície de Encélado. A região acastanhada indica o núcleo de planeta, de silicatos, o vermelho uma região mais quente nesse núcleo. A branco indica-se a camada de gelo, com uma região mais quente a amarelo. O eixo de rotação está indicado pela barra que atravessa os pólos.

Numa tradução livre do resumo:

Encélado é um pequeno satélite gelado de Saturno. A sua região polar consiste em terreno jovem, tectonicamente deformado e possui um fluxo de calor anormalmente elevado. Este fluxo de calor é provavelmente devido a dissipação por marés localizada no interior da camada de gelo ou do núcleo de silicatos subjacente. A deformação da superfície é plausivelmente devida à ascensão de material de baixa densidade (diapirismo) como resultado de aquecimento por forças de maré.

Um diapiro (diápiro para os leitores que seguem a grafia vigente no Brasil) ou dobra diapírica é uma estrutura que rompe através de camadas de terreno sobrejacentes em direcção à superfície. Na Terra este tipo de fenómenos é comum nos terrenos salíferos em que grandes domos de sal gema se movem em direcção de zonas de menor pressão. Este termo é conhecido dos pesquisadores de petróleo, uma matéria prima que se acumula muitas vezes nas estruturas diapíricas.

Um corpo que roda em torno de um eixo, como uma lua, é estável se a maior parte da sua massa estiver próximo do equador. Quando se redistribui essa massa, como por exemplo durante a ascensão de um diapiro, isso irá provocar instabilidade em relação ao eixo de rotação. O satélite pode literalmente "tombar" sobre esse eixo, por forma a colocar o excesso de massa no equador e as regiões de menor densidade nos pólos. Isto é o que os autores do artigo pensam ter sucedido em Encélado. Francis Nimmo e Robert T. Pappalardo avançam com cálculos que indicam que uma "bolha" de baixa densidade abaixo da superfície poderia fazer Encélado rodar qualquer coisa como 30 graus e colocar essa bolha num dos pólos. Continuando com o resumo:
Mostramos aqui que a actual localização polar da zona quente pode ser explicada pela reorientação do eixo de rotação do satélite devido à presença de um diapiro de baixa densidade. Se o diapiro se encontra no manto de gelo, então a camada gelada deve ser relativamente espessa e manter uma rigidez significativa (espessura elástica maior que 0.5 km); se o diapiro se encontra no núcleo de silicatos, então Encélado não pode possuir um oceano global abaixo da superfície, porque o núcleo deve estar ligado ao gelo sobrejacente para a reorientação ocorrer.
A zona quente de Encélado não se teria assim formado junto ao pólo sul, mas simplesmente acompanhado o tombo do satélite. O mecanismo proposto para explicar a localização dos géiseres tem implicações quanto à existência ou não de vastos oceanos sobre a superfície de Encélado. Não é assim seguro que estejam reunidas as condições necessárias para existir vida em Encélado. Para terminar os autores fornecem mesmo alguns testes para o mecanismo que propõem:
A reorientação gera grandes (aproximadamente 10MPa) padrões de tensão tectónica que são compatíveis com a deformação observada na região do pólo sul. Prevemos que a distribuição de crateras de impacto na superfície não mostrará a habitual assimetria entre hemisférios. Um diapiro de baixa densidade também acarreta uma potencialmente observável anomalia gravítica.
Temos que esperar pelo próximo vôo da Cassini na proximidade de Encélado, que só vai acontecer em 2008, para mais observações e resultados fascinantes.

Ficha Técnica
Imagens retiradas do PhotoJournal da NASA, aqui e aqui.

Referências
(ref1) Francis Nimmo and Robert T. Pappalardo (2006). Diapir-induced reorientation of Saturn's moon Enceladus. Nature 441, 614-616. Laço DOI.

Sem comentários: