quinta-feira, junho 22, 2006

Satélites de gigantes mas menores que Marte

Ao procurar, em várias páginas ligadas à NASA, imagens de Encélado, para ilustrar a contribuição anterior, deparei-me com esta magnífica ilustração da autoria do artista David Seal. A imagem mostra a superfície gelada de Encélado na vizinhança do pólo sul, com um dos agora famosos géiseres a emitir um jacto de vapor. No horizonte pode ver-se um gigantesco Saturno com os seus magníficos anéis, e um pouco acima a sonda espacial Cassini. Não posso deixar de imaginar o que seria viver num mundo que orbitasse um tal gigante. Dada a descoberta de inúmeros planetas de tipo joviano noutras estrelas em órbitas semelhantes à da Terra, talvez possam existir mundos do tipo da Terra, com vida, cujos habitantes possam ver este tipo de panorâmicas. Ou será que não? [... ler mais]

Num artigo recente na Nature (ref1) Robin M. Canup e William R. Ward estudam o tamanho máximo que as luas dos planetas gigantes podem atingir. Numa tradução livre do resumo:

Todos os planetas exteriores do sistema solar que contêm hidrogénio gasoso acolhem sistemas com múltiplas luas, e de forma notável cada um deles contém uma fracção semelhante da massa do planeta a que pertence (aproximadamente um décimo milésimo). Esta fracção de massa é duas a três ordens de grandeza inferior à dos maiores satélites dos planetas sólidos (tais como a Lua da Terra), e o velor semelhante para os planetas gasosos tem-se mostrado intrigante. Modelamos aqui o crescimento e perdas de satélites enquanto um planeta gigante acumula gás e sólidos de gelo e rochas da órbita do Sol. Verificamos que a fracção de matéria do seu sistema de satélites é regulada a aproximadamente um décimo milésimo pelo balanço de dois processos em competição: o fornecimento de material que flui para os satélites, e perdas dos satélites devido ao decaimento das órbitas devido a efeitos do gás. Mostramos que as propriedades globais dos sistemas de satélites de Júpiter, Saturno e Úrano surgem naturalmente, e sugerem que processos semelhantes podem limitar as maiores luas de planetas extrassolares de massa joviana a dimensões entre a Lua e Marte.

É de notar que um planeta do tamanho da Lua, numa órbita "quente" como a da Terra não conseguiria aguentar uma atmosfera de azoto e oxigénio durante o tempo suficiente (vários milhares de milhões de anos) para que formas de vida complexa pudessem surgir. Algo do tamanho de Marte está mesmo no limite para isso. Embora planetas verdejantes e azuis como a Terra nessa situação sejam pouco prováveis, poder ver nos céus algo do tipo de Saturno valeria bem uma viagem a uma lua gelada. E o sistema saturniano oferece algumas paisagens espectaculares pelo que não resisto a mostrar, sob a forma de ilustrações que encontrei nas páginas da sonda espacial Cassini, o que um futuro turista espacial poderia visitar neste sistema. As imagens apresentadas e a inspiração para o texto foram retiradas das páginas que se indicam na ficha técnica no fim desta contribuição.

Eis abaixo uma ilustração de Saturno visto do Precipício de Ítaca, uma vasta trincheira que se estende quase de pólo a pólo em Tétis, com uma profundidade de 4 a 5 km e largura média de 100 km.


Segue-se um grande ângulo da superfície de Pandora, com um outro satélite Prometeu visto na vizinhança do algo difuso anel F de Saturno.


Reia é o segundo maior satélite de Saturno (vem logo a seguir a Titã). Esta ilustração mostra duas das suas muitas crateras: Izanagi (a maior) e Izanami (a menor), com um pequeno meteoro a atingir a superfície dentro da cratera de Izanagi. Mais uma vez Saturno aparece ao fundo, gigantesco quanto comparado com o tamanho aparente do Sol.


Esta vista de Saturno a partir da Cratera de Eneias em Dione mostra um piso algo irregular e mais uma vez gelado. Uma paisagem desolada, sem qualquer vestígio do calor que os géiseres sugerem em Encélado.

Mais uma espectacular visão artística de um céu com Saturno, desta vez do centro da cratera de Herschel, em Mimas. Podemos ver as montanhas de gelo que ocupam a parte central da cratera, e ao longe os rebordos da cratera.


Se repararem bem na imagem de Febe abaixo o artista não incluiu a sonda espacial Cassini. Isso porque a Cassini nunca irá passar a menos de 50,000 km desta lua, e portanto não seria visível numa panorâmica deste tipo.


Hiperião é um satélite relativamente pequeno, com uma forma algo irregular e não esférica. A sua característica mais saliente são os impressionantes sistemas de escarpas que se podem elevar a qualquer coisa como 30 km acima da superfície. Não deixa de ser estranho ver estas formações geladas numa lua que recebeu o nome de um espírito do fogo.


Para terminar, esta é a minha imagem favorita, à seguir à de Encélado com que abri a contribuição. Trata-se de Saturno visto de Japeto, com o Sol ao longe. A visão de Saturno é fantástica. Japeto não é apenas frio, parte da sua superfície é também escura como o carvão, daí o ar mais sombrio desta imagem. De notar os contornos ondulantes do material à superfície.


É nestas alturas que sinto inveja das gerações futuras que poderão passear por estes mundos. Tal como hoje andamos por aí a fotografar parques naturais, castelos, palácios ou catedrais noutros países, os turistas daqui a uns tempos poderão fotografar paisagens e céus de luas em locais realmente estrangeiros.

Ficha Técnica
Ilustração de Encélado, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Tétis, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Pandora, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Reia, autoria de Jim Blinn, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Dione, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Mimas, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Febe, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Hiperião, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.
Ilustração de Japeto, autoria de David Seal, retirada desta página da NASA/Cassini Multimedia Gallery.

Referências
(ref1) Robin M. Canup e William R. Ward (2006). A common mass scaling for satellite systems of gaseous planets. Nature 441, 834-839. Laço DOI

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