segunda-feira, abril 23, 2007

O agitar das castanhas num asteróide

Eis-me então de volta para falar da relação entre as castanhas do Pará e a Astronomia. Tem tudo que ver com este objecto, cujo forma estranhamente até faz lembrar uma castanha do Pará. Os leitores mais antigos lembrar-se-ão de que já falei desta coisa anteriormente, trata-se do asteróide Itokawa, que foi visitado por uma sonda chamada Hayabusa. Um dos aspectos que chama a atençao neste asteróide, para lá da ausência de crateras de impacto, é que partes da sua superfície apresentam uma textura suave, enquanto outras partes estão cheias de calhaus de dimensões variadas. Segundo alguns autores tem tudo que ver com o tal efeito das castanhas do Pará. [... ler mais]

O estudo sobre as características da superfície do Itokawa é da autoria de
Hideaki Miyamoto e colegas e aguarda publicação na revista Science (ref1). Baseia-se em fantásticas e detalhadas imagens da Hayabusa com uma resolução de 6 milímetros por pixel. Numa tradução livre do resumo:

Imagens de alta resolução da superfície do asteróide Itokawa da missão Hayabusa mostraram que se encontra coberto com calhaus não consolidados com dimensões da ordem do milímetro e maiores. A localização e as características morfológicas destes calhaus indicam que o Itokawa sofreu vibrações consideráveis, que poderão ter desencadeado processos de tipo granular no seu ambiente de microgravidade, seco e no vácuo. Este processos provavelmente incluiram convecção granular, migrações tipo deslizamentos, e separação de partículas, resultando na segregação dos calhaus finos em área de mínimos de potencial. Os processos granulares tornam-se processos importantes de modificação de superfície por causa do pequeno tamanho do Itokawa, implicando que podem ocorrer noutros asteróides pequenos caso tenham rególito.

O rególito (acho que Brasil não se usa acento) é na Terra a camada de material modificado pelas intempéries que cobre camadas rochosas não alteradas. Nos objectos astronómicos sem atmosfera o rególito pode apesar de tudo formar.se, devido a coisas como impacto de micrometeoritos e fenómenos de índole térmica. Basicamente o rególito é formado por todos os fragmentos de materiais daquilo a que se chama o solo. No Itokawa esta camada de rególito é formada por materiais que vão desde poeiras mais ou menos finas a materiais mais grosseiros, que estão fracamente presos à superfície pela baixa gravidade do Itokawa. Vibrações neste material levarão assim a um efeito semelhante ao que se observa numa taça de aperitivos quando agitada: as castanhas do Pará sobem. No Itokawa a gravidade não é tão simples como na Terra, e a separação em zonas "lisas" e zonas irregulares reflecte a variação da gravidade nas várias regiões do asteróide. A pista que permitiu aos cientistas assumirem este tipo de explicação tem a ver com o facto de os constituintes do rególito do Itokawa se mostrarem alinhados, correspondendo as direcções de alinhamento aos contornos da força de gravidade. Isso pode ver-se por exemplo na assombrosamente detalhada imagem abaixo:

É notória a migração do material mais fino, seguindo a direcção do canto inferior esquerdo para o canto superior direito, correspondendo ao que se infere para a variação da força da gravidade. Notem ainda a coisa com formato circular em baixo à esquerda. Eu referi no início a ausência de crateras de impacto. Pois bem, deveria ter dito, a quase ausência, esta é uma cratera de impacto, com os bordos já a desfazerem-se, mas ainda identificável.

A Hayabusa não se limitou a fotografar, tocou mesmo na superfície do Itokawa tendo recolhido amostras de solo. Iniciou este mês a sua viagem de regresso à Terra. que deverá demorar cerca de três anos.

Ficha técnica
Imagens cortesia de ISAS/JAXA e Universidade de Tóquio. Podem ser obtidas por exemplo, no comunicado de imprensa do Planetary Science Institute.

Referências
(ref1) Hideaki Miyamoto, Hajime Yano, Daniel J. Scheeres, Shinsuke Abe, Olivier Barnouin-Jha, Andrew F. Cheng, Hirohide Demura, Robert W. Gaskell, Naru Hirata, Masateru Ishiguro, Tatsuhiro Michikami, Akiko M. Nakamura, Ryosuke Nakamura, Jun Saito, Sho Sasaki (2007). Regolith Migration and Sorting on Asteroid Itokawa. Science. Laço DOI.

2 comentários:

Jorge Candeias disse...

CDG, tens aqui umas coisinhas que estão mesmo a pedir uma edição do post. Lá em cima, no topo (segundo parágrafo), tens a autoria em branco, e depois, na citação, há uma frase que não se percebe: "... o Itokawa sofreu experimentou consideráveis".

Também não chamaria "intempéries" ao vento solar e aos micrometeoritos que desagregam as rochas de superfície nos mundos sem ar, fabricando o regolito, mas isso sou eu que sou esquisito... :)

Caio de Gaia disse...

Obrigado Jorge. Isto devia ter sido salvo como rascunho, a publicar apenas amanhã. Quanto a uma chuva de micrometeoritos, é de facto uma intempérie.