quarta-feira, março 22, 2006

Buracos negros, campos magnéticos e uma dupla hélice no espaço

O Telescópio Spitzer observa o Universo no infravermelho, e de vez em quando descobre algumas estruturas desconcertantes, que, para além do interesse científico que despertam, em geral dão imagens bonitas. Esta imagem mostra uma nebulosa próxima do centro da Via Láctea. As dimensões da estrutura são gigantescas, cerca de 80 anos-luz. Ora atendendo a que a luz percorre 300,000 km por segundo façam as contas. Em km, trata-se de um número com muitos zeros. Essa estrutura está a cerca de 300 anos-luz do gigantesco buraco negro que se esconde no centro da nossa galáxia. Só para referência, a Terra está a cerca de 25,000 anos luz desse buraco negro. Ora o que despertou o interesse dos cientistas nesta estrutura foi o facto de mostrar estrutura. A maioria das nebulosas na nossa galáxia têm uma estrutura amorfa, enquanto a imagem acima mostra uma estrutura em dupla hélice que faz lembrar a molécula de ADN nos cromossomas. [... ler mais]

O que pode explicar este tipo de organização? A explicação mais provável segundo Mark Morris, Keven Uchida e Tuan Do, que publicam esta observação num artigo na Nature (ref1), é que estamos a observar perturbações no campo magnético devido a um fenómeno de torção. O artigo parece mais complicado do que na realidade é, e visto que os campos magnéticos são fundamentais para a nossa compreensão do Universo vou descrevê-lo com algum pormenor. Numa tradução livre do resumo:

O campo magnético a poucas centenas de parsecs do centro da Via Láctea tem uma geometria dipolar e é bastante mais forte que noutros locais da Galáxia, com estimativas que chegam a alguns miligauss. A caracterização do campo magnético no Centro Galáctico é importante porque pode afectar as órbitas das nuvens moleculares ao arrastá-las, pode inibir a formação de estrelas, e pode guiar um vento de gás quente ou raios cósmicos para longe da região central.
Um campo magnético de tipo dipolar é semelhante ao que temos na Terra, com um pólo sul e um pólo norte. A presença de um campo magnético afecta a progressão de material electrificado, como por exemplo nuvens moleculares ionizadas por radiação ultravioleta das estrelas. Um campo magnético pode ser entendido como uma série de linhas no espaço que ligam regiões de polaridade magnética oposta. As partículas carregadas electricamente "sentem" esses campos e tendem a segui-los, espiralando ao longo deles, daí a referência dos autores ao campo magnético arrastar as nuvens moleculares, ou guiar raios cósmicos.
Relatamos aqui observações no infravermelho de uma nebulosa com a morfologia de uma dupla hélice entrelaçada a cerca de 100 parsecs do centro dinâmico da Galáxia, com o seu eixo orientado na direção perpendicular ao plano galáctico. O segmento observado tem um comprimento de cerca de 25 parsecs, e contêm cerca de 1.25 voltas completas de cada uma de duas formações contínuas enroladas em forma de hélice. Interpretamos esta característica como uma onda de Alfvén torcional propagando-se a partir do disco galáctico, guiada pela rotação de um disco de gás magnetizado em volta do núcleo.
Esta parte não é tão obscura como parece. As linhas de campo magnético comportam-se um pouco como cordas, e podem ser postas a vibrar tal como cordas. No caso das linhas de campo magnético este movimento de tipo ondulatório é designado por ondas de Alfvén, em honra ao cientista que estudou o fenómeno. Mas então o que significa o torcional? O que se passa é semelhante ao que sucede quando se enrolam os pés de um feixe de cordas: o resto das cordas tende também a enrolar. A hipótese dos cientistas no artigo é que as bases das linhas de campo magnético são enroladas pelo movimento de um disco de gás próximo do núcleo da galáxia, e que essa torção se propaga ao longo das linhas de campo magnético. A nebulosa que nós vemos no infravermelho é devida a gás eletrificado que se move seguindo essas linhas de campo magnético torcidas.

Referências
(ref1) Mark Morris, Keven Uchida and Tuan Do (2006). A magnetic torsional wave near the Galactic Centre traced by a 'double helix' nebula. Nature 440, 308-310. Laço DOI.