quinta-feira, abril 12, 2007

O briho da Terra

A missão Clementine que orbitou a Lua durante alguns meses durante o início de 1994, incluía duas câmeras para observação das estrelas, que serviam sobretudo para ajudar na navegação da sonda, mas que possibilitaram também a obtenção de algumas panorâmicas espectaculares da Lua. Esta é uma dessas imagens, com alguns pormenores que merecem atenção. O Sol está do outro lado da Lua, ou seja, a Clementine está na zona de sombra. A claridade que se vê nas bordas da Lua é nada mais nada menos que a coroa solar, isto é, a camada quente e muito ténue da atmosfera do Sol, que se pode observar durante os eclipses totais na Terra. No alto da imagem vê-se ainda Vénus. Mas o aspecto para o qual chamo a atenção é o brilho da superfície da Lua. É que a fonte de Luz que nos permite ver os detalhes nessa superfície é nada mais nada menos que luz vinda da Terra. Vou aproveitar esta imagem para voltar a temas relativos ao clima terrestre. [... ler mais]

A superfície da Terra, as nuvens, os aerossóis provenientes da actividade humana e de fenómenos naturais, reflectem parte da luz incidente impedindo-a assim de aquecer o planeta. Os processos são obviamente complicados e é difícil de separar causas de efeitos, contudo um modelo do clima deve incluir ou reproduzir essas variações de forma consistente. O problema é que as medições que possuímos se referem a períodos muito curtos, há intervalos sem dados, e existem problemas sérios de calibração dos vários instrumentos.

Na contribuição sobre o aquecimento global de Marte referi que uma das formas de obter o albedo da Terra, isto é a fracção da luz incidente que incide no planeta e que é reflectida, é usar o brilho da Terra na zona de sombra da Lua. A luz que a Terra envia para a Lua é proporcional ao albedo da Terra, e por sua vez o brilho que a Lua envia de volta é igual à potência luminosa recebida da Terra multiplicada pelo albedo da Lua. Isto significa que, após um processamento algo complicado, se pode usar este brilho para estimar o albedo da Terra. Foi isso que fizeram Pallé e colegas num trabalho cujos resultados foram publicado em 2004 na revista Science (ref1). Numa tradução livre do resumo:

Nós correlacionámos um período em que há sobreposição de medições de reflectância da Terra (de 1999 até meio de 2001) com observações de satélite de propriedades globais das nuvens para construir a partir das últimas uma medida por aproximação da reflectância global da Terra em comprimentos de onda curtos. Esta aproximação mostra um decréscimo continuado da reflectância da Terra de 1984 a 2000, com uma queda pronunciada de significado climatológico após 1995. De 2001 a 2003, apenas dados do brilho da Terra estão disponíveis e eles indicam uma inversão completa do declínio. Compreender como as causas desta mudanças ao longo de décadas se distribuem entre variabilidade natural, forçamento directo, e mecanismos de retroalimentação é fulcral para atribuir e prever as mudanças climáticas.

Na verdade os autores apenas possuíam medições do brilho da Terra referentes a cinco anos. O que fizeram foi socorrerem-se de um indicador indirecto, usando medições de propriedades das nuvens, que associaram de forma cautelosa às variações medidas para o brilho da Terra, durante um período em que possuíam ambos os conjuntos de dados. Isto permitiu-lhes estender as estimativas do albedo a um período de 20 anos. O resultado é de certa forma surpreendente, um aumento recente da reflectância (albedo) significaria menos energia incidente, logo esperar-se-ia redução de temperatura e não aumento, como se tem vindo a observar nos últimos anos. A menos, é claro, que o processo responsável pelo aumento da reflectância envolva um qualquer tipo de efeito estufa.

Este trabalho é uma primeira aproximação a um problema importante, que dadas as limitações nas observações directas teve que se socorrer de uma abordagem indirecta. Mas como todas as abordagens novas está sujeita a discussão, nos seus pressupostos, na análise dos dados, e nos resultados. Como é hábito em ciência tudo isto é revisto e discutido em detalhe. Não surpreende por isso que um estudo mais recente baseado em medições directas de albedo da Terra, por sondas espaciais, e sem recurso a expedientes indirectos como o brilho da Lua, pareça não concordar com o estudo de Pallé e colegas. Falarei disso na próxima contribuição.

Ficha técnica
Imagem da Clementine a partir desta página da NASA.

Referências
(ref1) E. Pallé, P. R. Goode, P. Montañés-Rodríguez, S. E. Koonin (2004). Changes in Earth's Reflectance over the Past Two Decades. Science Vol. 304. no. 5675, pp. 1299-1301. Laço DOI

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