segunda-feira, agosto 28, 2006

As florestas de Marte lá tão longe

A contribuição sobre o boato de Marte tão grande como a Lua cheia foi de longe a coisa mais popular que já coloquei neste blog. Apesar do carácter algo disparatado da notícia, não deixa de ser saudável o interesse demonstrado, e o facto de um tão grande número de pessoas ter procurado informação é algo de encorajador. Sendo assim, e apesar de continuar zangado com os astrónomos por terem despromovido Plutão, sinto que Marte merece uma outra contribuição. Começo então por recuar alguns anos. A Mars Global Surveyor detectou alguma estruturas escuras no pólo sul de Marte cujo aspecto variava com as estações. A imagem mostra um exemplo obtido em Outubro de 1998 dessas manchas peculiares. Para terem um ideia da escala, o objecto com formato arredondado no canto inferior esquerdo da imagem tem um diâmetro ligeiramente inferior a 500 metros. O famoso escritor de ficção científica Arthur C. Clark sugeriu uma origem biológica para essas estruturas, notando que o aspecto dessas regiões fazia lembrar florestas e falou em "figueiras-da-índia" marcianas. [... ler mais]

Essa possibilidade nunca foi levada muito a sério e num artigo recente na Nature (ref1) Hugh H. Kieffer e colegas explicam as "figueiras" como tendo uma origem geológica. Numa tradução livre do resumo:

As calotes polares marcianas estão entre as regiões mais dinâmicas de Marte, crescendo de forma substancial no inverno quando uma fracção substancial da atmosfera congela sob a forma de gelo de CO2. Regiões escuras pouco usuais, leques e manchas, formam-se quando a capa sazonal de gelo de CO2 recua durante a primavera e o verão. Pequenas redes de canais radiais estão muitas vezes associadas com a localização das manchas quando o gelo desaparece. Propôs-se que as manchas seriam apenas chão nu descongelado; a formação dos canais permaneceu incerta. Relatamos aqui observações no visível e no infravermelho que mostram que as manchas e leques permanecem a temperaturas do gelo de CO2 pelo verão a dentro, e devem ser materiais granulares que foram trazidos até à superfície do gelo, exigindo um conjunto complexo de processos para os levarem até lá.

Ou seja, o material não se encontra abaixo do gelo mas acima dele. Não se trata de algo exposto durante o degelo mas sim de algo lançado por cima do gelo. O mecanismo que os autores propõem, baseado num tempo de observação correspondente a 200 dias, é o seguinte:
Propomos que a capa de gelo sazonal forma uma tira translúcida e impermeável de gelo de CO2 que sublima a partir da base, produzindo uma acumulacão de gás a alta-pressão abaixo da tira. Este gás empurra o gelo, que se rompe eventualmente, produzindo fumarolas de C02 de alta velocidade, que produzem erupções de jactos partículas com dimensões de grãos de areia, para formar as manchas e erodir os canais. Estes processos são diferentes de quaisquer observados na Terra.

No fundo tem-se uma espécie de sanduíche de poeira e areia marcianas entre duas camadas de gelo. Uma que corresponde à calota de gelo de água permanente, outra à camada de gelo de CO2 que se forma durante o inverno marciano. As fumarolas que se formam durante a primavera expulsam material a velocidades da ordem dos 160 km por hora, que ganham um aspecto de leque. devido à acção dos ventos marcianos. Já estou a imaginar excursões para observar as fumarolas de CO2 e detritos na primavera marciana. Eis em baixo uma visão artística deste interessante fenómeno.


Ficha técnica
Imagem das figueiras-da-índia marcianas a partir desta página do Malin Space Science Systems.
Visão artística das fumarolas de CO2 marcianas da autoria de Ron Miller, cortesia da Arizona State University, retirada do comunicado de imprensa nas páginas da NASA.

Referências
(ref1) Hugh H. Kieffer, Philip R. Christensen and Timothy N. Titus (2006). CO2 jets formed by sublimation beneath translucent slab ice in Mars' seasonal south polar ice cap. Nature 442, 793-796. Laço DOI.

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