Um grupo de três astrónomos a trabalhar na Austrália acaba de publicar um artigo em que descrevem uma estrela em tudo semelhante ao Sol. Como é hábito os meios de comunicação especulam desenfreadamente sobre coisas que não podem ser verificadas neste estudo, em particular sobre a existência de civilizações extraterrestres. Quando vi as referências ao estudo pensei com os meus botões que este era mais um exemplo de um comunicado de imprensa querer apimentar as notícias para despertar o interesse do público. [... ler mais]
A descoberta de um duplo solar é muito interessante do ponto de vista científico, mesmo sem entrar em devaneios sobre exobiologia, mas os autores focam a atenção exactamente sobre esse ponto, o ênfase não é apenas dos jornalistas.
Até este momento apenas se conhecia uma estrela semelhante ao Sol, na constelação do Escorpião, designada por 18 Sco. Jorge Melendez , Katie Dodds-Eden & José A. Robles descrevem no Astrophysical Journal Letters (ref1) uma estrela que é em tudo semelhante à 18 Sco e ao Sol. A estrela em questão não se encontra muito afastada, está a apenas 126 anos-luz, pode ser vista com o auxílio de binóculos, embora apenas no hemisfério Norte, pois fica nas redondezas da Ursa Maior. Numa tradução livre do resumo do artigo:Apesar do esforço observacional levado a cabo nas últimas décadas, nenhum gémeo exacto do Sol foi encontrado até à data. Um marco importante foi conseguido uma década atrás por Porto de Mello & da Silva, que mostraram que a 18 Sco é quase um duplo solar. No trabalho presente, usamos espectros de alta resolução do Keck HIRES para levar a cabo uma análise de 16 candidatos a gémeos solares. Mostramos que a HD 98618 é o segundo gémeo solar mais próximo, e que os parâmetros fundamentais quer da 98618 quer da 18 Sco são muito semelhantes (dentro de uns pouco percento) à estrela anfitriã do nosso sistema solar, incluindo a possibilidade de alojar um planeta de tipo terrestre nas suas zonas habitáveis. Sugerimos que se deve prioridade a estas estrelas em levantamentos de exoplanetas e do SETI.
Comecemos por avaliar até que ponto estas estrelas são de facto semelhantes ao Sol. Quando os autores compararam os espectros do Sol com o espectro da HD 98618 verificaram que eles eram essencialmente idênticos. Na imagem abaixo, adaptada de figuras do artigo no Astrophysical Journal, mostra-se uma comparação entre o espectro do Sol (a verde) e da HD 98618 (a vermelho). A profundidade de cada uma das riscas depende da gravidade à superfície da estrela, temperatura e abundância dos diversos elementos químicos na fotosfera.
Como vemos, no intervalo de comprimentos de onda mostrado na figura, os espectros são virtualmente idênticos. Os autores fizeram uma análise mais exaustiva do que a que mostro na figura, e encontraram a mesma abundância de oxigénio, e uma abundância de ferro apenas 11% maior. A única diferença relevante que esta estrela mostra em relação ao Sol tem a ver com a quantidade de lítio na atmosfera, que é cerca de três vezes maior que a do Sol. A massa da HD 98618 é apenas 2 ± 3 % maior que a do Sol, a luminosidade apenas 6 ± 5 % maior, a temperatura apenas 66 ± 30 Celsius maior, e tem 4.3 ± 0.9 mil milhões de anos de idade, que com os erros pode considerar-se a mesma idade do Sol, que é 4.6 mil milhões de anos. Até a velocidade de rotação é semelhante à do Sol.
Globalmente, a HD 98618 e a 18 Sco são muito idênticas ao Sol, e poder-se-á esperar que se tenham formado de forma semelhante, com sistemas planetários semelhantes. Ou talvez não, a maioria dos sistemas planetários encontrados noutras estrelas mostram "Júpiteres quentes" em órbitas semelhantes à da Terra. Os autores referem no entanto estudos que mostram não existirem planetas tipo Júpiter perto das estrelas, o que pemitiria a existência de planetas de tipo terrestre dentro da zona habitável (isto é a zona onde se estima que possa existir água no estado líquido).
Eu confesso que me surpreende este ênfase do artigo nos pontos relacionados com planetas, incluindo a referência ao SETI. Os autores referem vagamente vários pontos de física solar (actividade magnética) e outros pontos de física estelar (problemas de calibração) na introdução, mas depois desviam completamente o artigo nas conclusões para coisas relacionadas com exobiologia e física planetária. Os planetas extrassolares são um assunto interessante, e encontrar planetas de tipo terrestre a distâncias onde pudessem albergar oceanos seria uma grande descoberta. Nada disso pode ser avaliado a partir desta descoberta. É óbvio que irão ser conduzidas buscas por planetas, mas até lá é tudo demasiado especulativo.
Referências
(ref1) Jorge Melendez, Katie Dodds-Eden, & José A. Robles (2006). HD 98618: A STAR CLOSELY RESEMBLING OUR SUN. Astrophysical Journal Letters, no prelo.
segunda-feira, março 27, 2006
A irmã gémea do Sol
Por CDG laço permanente
Etiquetas: Sol e Heliosfera
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3 comentários:
Caio,
Acho compreensivel a enfase no SETI, pois isso eh a fronteira do conhecimento hoje. Apenas catalogar as propriedades fisicas de mais uma estrela, mesmo que parecida com o Sol (Ué, sempre falaram que o Sol era uma estrela bastante comom...) seria muito pouco relevante.
Agora, dado que essa estrela esta a apenas 126 anos luz (e a outra esta mais perto ainda), discordo que seja um alvo viavel para SETI (civilizacoes com inteligencia tecnologica). Usando o argumento de Fermi: Se houvesse uma civilizacao ali, ela ja teria tido tempo de ter chagado aqui e nos colonizado...
Osame, uma estrela exactamente como o Sol é interessante por exemplo para estudar a actividade magnética. Identificar uma estrela nestas condições é muito importante, pois permite comparar o ciclo dessa estrela com o do Sol. E os autores referem vagamente isso na introdução.
O Sol não é a estrela "média" da Galáxia, a maioria das estrelas têm massas muito menores. Entre a massa a poucos % do Sol, abundâncias químicas a poucos %, velocidade de rotação a poucos %, e mesma idade o número de candidatos no milhão de estrelas mais próximas não é tão grande como isso.
Eu não tenho nada contra estudar possíveis sistemas planetários, só acho estranho o referee ter deixado especular desta forma nas conclusões. Quando o Sol tinha aquela idade estávamos em plena época dos dinossauros. E entre as margens de erro, estaríamos entre um mundo povoado apenas por organismos multicelulares ou numa civilização humana com centenas de milhões de anos. Justificar um artigo com a possível existência de civilização NUMA estrela é um tiro no escuro. O que não quer dizer que não seja giro especular sobre estas coisas.
bom comeco
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